Homens flagrados furtando carne em supermercado foram entregues à traficante para morrer, diz amiga
Bruno Barros, de 29 anos, e Yan Barros, de 19, foram encontrados mortos com sinais de tortura na segunda-feira (26). Família diz que seguranças entregaram a dupla aos traficantes da região.
Uma amiga de um dos homens mortos após furtar carne em um supermercado atacadista no bairro de Amaralina, em Salvador, disse que recebeu ligações dele pedindo ajuda e contando que sabia que seria entregue a traficantes da região.
Yan Barros e Bruno Barros, tio e sobrinho, foram encontrados mortos com sinais de tortura na segunda-feira (26), na localidade da Polêmica, em Brotas.
Familiares fizeram uma manifestação na noite de quinta-feira (29), no bairro de Fazenda Coutos, onde os homens moravam. O grupo cobrou justiça pelo crime.
A amiga de Bruno informou que ele entrou em contato por telefone após ser flagrado pelos seguranças, que cobraram dinheiro para liberar ele e o sobrinho. Entre as mensagens e ligações, Bruno pediu para chamar a polícia para evitar que ele fosse entregue aos traficantes.
“Ele disse: ‘Os caras disseram que se eu não pagar a carne, eles vão me entregar aos traficantes’. Eu disse a ele que eu não tinha. Aí eu liguei para um, liguei para outro, liguei para um, liguei para outro. E não consegui falar com ninguém”, contou a mulher, que prefere não ser identificada.
“Aí ele continuou me ligando e eu dizendo ‘espera, estou tentando arrumar. Espera que eu estou tentando arrumar’. Então na última ligação ele falou assim: ‘Beiço, eles estão me entregando agora pelo estacionamento aos traficantes aqui do Nordeste’”.
Segundo ela, na última ligação, Bruno apelou que ela fosse até o local. A mulher entrou em contato com os policiais, através de central telefônica, mas não conseguiu evitar as mortes.
“‘Eu vou morrer! Não me deixa morrer, não! Vem para cá! Chame a polícia para me prender’. Foi a última coisa que ele me falou. Depois eu não consegui mais falar com ele. Cheguei a ligar para o 190, registrar uma queixa, mas não adiantou, porque quando a polícia chegou, já era tarde demais”, disse.
Entenda o caso
Na noite de segunda-feira (26), dois homens foram mortos na localidade da Polêmica, em Salvador. De acordo com a Polícia Civil, eles foram torturados e atingidos por disparos de arma de fogo. À época, a polícia informou que a motivação do crime estava relacionada ao tráfico de drogas.
Um dia depois, na terça-feira (27), eles foram identificados como Bruno Barros e Yan Barros. Na quinta-feira (29), a mãe de Yan, Elaine Costa Silva, revelou que ele foi morto após ter sido flagrado pelos seguranças do hipermercado Atakarejo por furtar carne no estabelecimento.
Segundo ela, o tio de Yan, Bruno, que também foi morto, enviou áudios a uma amiga informando o que tinha acontecido e pedindo ajuda para não ser entregue aos traficantes do Nordeste de Amaralina.
Por meio de nota, o Atakarejo informou que cumpre a legislação vigente, atua “rigorosamente comprometido com a obediência às normas legais”, e que não compactua com qualquer ato em desacordo com a lei.
A rede atacadista também afirmou que os fatos questionados envolvem segurança pública e que serão investigados e conduzidos pela autoridade pública competente.
Já a Polícia Militar informou que a 40ª CIPM não foi acionada para atender a ocorrência. No entanto, assim que tomou conhecimento de que teria ocorrido de um possível furto no estabelecimento comercial, a unidade deslocou uma equipe até o local. Quando chegou, funcionários teriam negado o fato.
A Polícia Civil contou que algumas testemunhas foram ouvidas na Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa e as investigações estão avançadas.
Segundo o órgão, já há indicativo de autoria e policiais realizam diligências para encontrar os suspeitos. A Polícia Civil informou que mais detalhes não podem ser divulgados para não interferir no andamento das apurações.
Repercussão

O caso tem repercutido nas redes sociais. O PSOL Bahia postou um manifesto no Instagram cobrando investigação e punição dos envolvidos, com o título “A Carne mais barata do Atakarejo é a Carne Negra!”.
No texto, o partido político conta que o caso é uma “manifestação concreta da atual política de segurança pública e os discursos de ódio que investem na guerra aos pretos e pobres, no encarceramento em massa e na banalização do extermínio e violência racial como meio de controle da população negra que tem negado seus direitos por décadas de políticas econômicas neoliberais”.

A pesquisadora, filósofa e escritora Djamila Ribeiro também se manifestou nas redes sociais e classificou o crime como desumano. “Meu querido babalorixá, @rodneywilliam2018, me ensinou uma frase marcante: “não há delito que justifique a desumanidade”.

A deputada estadual Olívia Santana (PCdoB) também se manifestou sobre o caso e pediu justiça. “Que horror! Como pode uma coisa dessa acontecer? Um tio e um sobrinho, negros, pobres, moradores de Fazenda Couto, no subúrbio de Salvador, suspeitos de roubar carne de uma milionária rede de supermercados, segundo denúncias feitas por familiares, foram entregues a uma facção criminosa pelo próprios seguranças do supermercado. E foram mortos com requinte de crueldade”.
O vereador de Salvador, Silvio Humberto (PSB), também cobrou rigorosa investigação do caso por meio das redes sociais. Confira texto na íntegra abaixo:
“Esse é mais um dos absurdos em tempos de pandemia. Vamos acionar as autoridades policiais por meio da Comissão Municipal de Reparação e da Comissão Especial de Direitos Humanos. Cobraremos rigorosa investigação para que seja apurada a responsabilidade do estabelecimento comercial. O que aconteceu com estes jovens foi uma brutal violação dos direitos!”.
(G1)