Médico é inocentado da morte do menino Noah após 14 horas de julgamento em São Carlos

As informações são de Ana Marin e Fernando Bertolini, g1 São Carlos e Araraquara

O médico Luciano Barboza Sampaio foi absolvido pelo Tribunal do Júri, nesta segunda-feira (3), da acusação de homicídio qualificado do menino Noah Palermo. O julgamento, que durou 14 horas no Fórum Criminal de São Carlos (SP), terminou por volta de 23h50.

Noah morreu em 2014 após complicações de uma cirurgia para a retirada do apêndice. A acusação sustentou que o médico, que estava em plantão à distância, assumiu o risco da morte da criança e deixou de prestar atendimento, após viajar para ver um jogo da seleção brasileira. Essa foi a segunda absolvição do profissional.

O promotor de acusação Mário Joseé Correa de Paula afirmou que avalia se vai recorrer da decisão.

Os pais de Noah lamentaram a decisão. “A corda sempre estoura pro lado mais fraco, [agora] a culpa é da enfermagem que não avisou”, disse Marcos Palermo. “Um absurdo”, afirmou emocionada a mãe Vanessa Palermo.

O julgamento começou por volta de 9h no Fórum Criminal e foram ouvidas 4 testemunhas de defesa e 4 de acusação, além de um perito. Quatro homens e três mulheres foram escolhidos para compor o Júri. O resultado foi de 4 votos pela absolvição e 3 pela condenação.

Essa foi a primeira vez no município que um médico foi a júri popular por acusação de crime em hospital.

Durante depoimento, a mãe do menino, Vanessa Palermo, explicou que, após o enterro do filho, começou a pesquisar sobre o médico na internet e encontrou uma foto dele vestido com a camisa da seleção. Após alguns dias, o pai localizou uma foto do médico no estádio falando ao telefone. A foto foi anexada ao processo.

Vanessa relatou ainda que se sentiu culpada por deixar o filho aos cuidados de Luciano.

“Meu filho entrou andando, sorrindo e saiu morto. Você acabou com a minha vida”, disse emocionada ao médico, que ficou o tempo todo de cabeça abaixada.

O pai de Noah, Marcos Palermo, disse em depoimento que o médico trocou o filho dele por um jogo de futebol. Leia a reportagem.

Luciano foi o último a prestar depoimento e falou sobre como foi passar os anos sendo “atacado, humilhado e xingado“.

“Fui para o jogo sim. Mas se tivesse algo diferente, que apontasse gravidade, não teria ido. A viagem foi um fator menos preponderante nesse caso. Nada ia mudar [se tivesse voltado para o hospital]. Se eu estivesse na cidade e fazendo uma cirurgia, teria que acionar o outro colega [pra ir ver o Noah]”, afirmou.

Questionado pelo promotor se ele se sente injustiçado pelo processo, o médico afirmou que “sim“.

O advogado de defesa, Eduardo Burihan disse, na entrada do Fórum, que o Conselho de Medicina não estabelece a distância para o plantão remoto, uma modalidade que é remunerada e o médico fica fora do hospital, mas deve estar ficar de sobreaviso, à disposição em caso de necessidade.

“A questão é que a Santa Casa não disponibilizou plantonista de plantão, o médico não podia passar o plantão porque não tinha plantonista disponível naquele dia e é isso que vamos provar”, afirmou.

De acordo com os pais da criança, com a piora do quadro de saúde, o médico foi contatado por telefone de novo, mas não respondeu. Outro pediatra que foi até a Santa Casa determinou que Noah fosse transferido para o UTI.

Noah morreu na UTI do hospital em 7 de junho, de parada cardiorrespiratória.

Em novembro de 2018, o juiz Eduardo Cebrian Araújo Reis, da 2ª Vara Criminal de São Carlos, absolveu o médico das acusações.

A decisão foi questionada pelo Ministério Público, que entrou com o recurso no Tribunal de Justiça e, em 2022, foi determinado que Sampaio fosse a júri popular.

Se for condenado, Sampaio poderá pegar uma pena que varia de 12 a 30 anos de prisão.

Condenado pelo Cremesp

Luciano Barboza Sampaio foi condenado pelo Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) e teve a suspensão do exercício profissional por 30 dias.

De acordo com a decisão do órgão, o médico se precipitou ao fazer a cirurgia de apendicite em Noah, já que o quadro clínico não era compatível com o procedimento.

O Cremesp entendeu ainda que Sampaio errou ao ignorar as ligações das enfermeiras do hospital e também de um médico da Santa Casa.

Pais acreditam na condenação

Para o pai de Noah, que é ex-secretário municipal de Saúde, o julgamento ocorrer dez anos após a morte de seu filho mostra a vulnerabilidade da Justiça, mas acaba com o sentimento de impunidade.

“São 10 anos que nós lutamos por essa causa, uma verdadeira aberração que aconteceu com o nosso filho, desde que ele pisou no hospital e foi atendido pelo réu que, na verdade operou nosso filho por achismo como o próprio Conselho de Medicina o julgou. Foram várias etapas do processo, muitos recursos, que a lei permite e vencemos em todas as instâncias e foi apontado o júri. Isso não deixa uma página virada, mas pelo menos dá o sentimento da não impunidade”, afirmou à EPTV, afiliada da TV Globo, antes do início do júri.

“Hoje é mais uma etapa tão esperada, mas no fim eu vou sair daqui no vazio, sem meu filho de novo, mas vai ser feita justiça”, disse.

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