Seca em RR deixa cidade sem água encanada e moradores têm dificuldade até para tomar banho: ‘a gente não pode fazer nada’

Sem água nas torneiras, moradores de Pacaraima, na fronteira com a Venezuela, buscam água em poços artesianos públicos; um caminhão-pipa também faz distribuição, mas não atende todos os bairros. Início das aulas na rede municipal foi adiado e falta de água também afeta o único hospital da cidade.

A seca que atinge Roraima tem provocado mudanças na rotina dos moradores de Pacaraima, na fronteira do Brasil com a Venezuela, no Norte do estado. A cidade onde vivem mais de 19 mil pessoas tem falta de água encanada, e os moradores precisam buscar água em poços públicos, esperar por um caminhão-pipa ou comprar o item.

Por conta da seca, que é agravada pelo fenômeno El Niño, o início das aulas na rede municipal também foi adiado e a falta de água também afeta o único hospital da cidade. A 215 km da capital Boa Vista, Pacaraima é um dos nove municípios em situação de emergência devido aos efeitos da estiagem em Roraima.

Boa parte do estado fica no hemisfério Norte, por isso, atualmente está na estação seca, chamada de “verão amazônico” – o período vai de outubro a março. Os meses de dezembro e janeiro são os mais secos, com registro de poucas chuvas.

Segundo o histórico de dados do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), foram registrados 4,2 milímetros de chuva em todo o mês de janeiro, 14% do esperado. Em fevereiro, choveu apenas 6,8 milímetros, 21% do esperado.

Em meio à seca no estado, que deve durar até abril, incêndios florestais consomem casas, animais e a vegetação. O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que monitora a seca e as queimadas em todo o país, registrava 2 mil pontos de incêndio no estado até 28 de fevereiro, 30% de todos os focos de incêndio registrados no Brasil.

Poços secos e caminhão-pipa

Pacaraima tem 13 poços artesianos públicos, mas, por conta da estiagem, houve baixa no acúmulo de água no lençol freático e as bombas não conseguem fazer a captação e distribuição para as casas, escolas, e para o hospital da cidade.

Além dos poços, um igarapé da região, que era usado como fonte de água, também secou.

Com isso, a Companhia de Água e Esgotos de Roraima (Caer), responsável pelo abastecimento de água no estado, tem distribuído água por meio de um único caminhão-pipa, mas o serviço só atende 7 dos 11 bairros da cidade.

Segundo a Caer, o caminhão-pipa passa duas vezes na semana e cada residência é abastecida com até mil litros de água.

“[A situação] é triste, é absurda. Sou sozinho e todo dia eu venho aqui pegar água. É complicado e a gente não pode fazer nada”, disse um morador que está há 15 dias sem água.

Procurada, a Caer informou que na próxima semana mais um caminhão-pipa com capacidade para 10 mil litros de água deve chegar na cidade. Disse ainda que Pacaraima é abastecida por 13 poços ativos, e cinco deles já estão comprometidos.

Atualmente, o sistema da captação está produzindo 900 mil litros diariamente, que é enviado para a Estação de Tratamento de Água, abastecendo o reservatório elevado de 150 mil litros e outro reservatório apoiado de 3 milhões de litros.

“O abastecimento na cidade tem o reforço do sistema de captação de água no igarapé Sargento D’Ávila, que está sendo transportado para barragem, por meio de bombeamento de água de um poço a 70 metros de distância e manter o nível da barragem apropriada para captação”, esclareceu.

Segundo dados do Censo 2022 divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 94,92% da população de Pacaraima tem ligação à rede geral de água encanada, com abastecimento adequado. No entanto, a água não chega às torneiras dos moradores há cerca de um mês por conta da seca.

Caminhão-pipa distribui água em Pacaraiama, ao Norte de Roraima — Foto: Yara Ramalho/g1 RR

A busca por água

De carro, motocicleta ou a pé, moradores vão ao poço artesiano do bairro Vila Nova, um dos 13 poços da cidade, para conseguir água. A estrutura é totalmente improvisada. Para tirar a água do poço, as pessoas precisam levar uma mangueira de casa.

Natural de Caracas, capital da Venezuela, Francisco Javier, de 54 anos, vive sozinho em Pacaraima e precisa encher ao menos um galão de água por dia nos poços da cidade. A água coletada por ele é usada apenas para lavar as roupas, louças e para tomar banho. Para beber, o marceneiro compra água mineral nos comércios do município, onde gasta até R$ 360 por mês, quase um terço do que ganha.

Segundo o venezuelano Gregório Rengel, de 38 anos, que vive na cidade há oito anos, o preço da água também aumentou nos comércios locais por conta da demanda.

“Eu tenho que ficar pegando água aqui [no poço] para tomar banho, limpar o banheiro. Às vezes, para fazer a comida, tenho que comprar água mineral nos supermercados. A mangueira para tirar a água também [tem que comprar] e ficou até mais cara esses dias”, explicou Rengel, que está sem água nas torneiras de casa há cerca de um mês.

Para o pintor Francisco da Silva, de 54 anos, o cenário da seca se repete em Pacaraima, mas neste ano está pior. Natural do Rio Grande do Norte, ele vive na cidade há cerca de 30 anos e já está acostumado com a escassez de água nesse período.

“Eu tenho 30 anos aqui em Pacaraima e toda vez que tem estiagem ocorre esse problema, as autoridades nunca resolvem. Mas nesse ano está pior. Faz 15 dias que eu não consigo água na torneira, e estou tendo que comprar água mineral porque não podemos confiar na água dos poços, ela não é tratada”, afirmou Francisco da Silva.

Morador do bairro das Orquídeas, um dos mais afetados, Francisco tem um caixa d’água que é abastecida pelo caminhão-pipa da Caer.

Mas a água, segundo ele, é imprópria para consumo. A filha dele, de 2 anos, já adoeceu por conta disso. “Essa água serve para lavar o banheiro e essas coisas. Não dá para beber, não dá nem para tomar banho direito porque a gente fica cinzento”.

“Ainda assim, a gente tenta economizar essa água, porque pode acabar. É o mínimo, o básico que a gente deveria ter”, afirmou o pintor.

Francisco da Silva avalia que a situação piorou em fevereiro — Foto: Yara Ramalho/g1 RR

Mercado paralelo

Quando o caminhão-pipa não passa, Francisco precisa buscar água em um dos poços artesianos. Sem condições de fazer isso todos os dias, ele às vezes tem que comprar água das pessoas que conseguem ir até os poços.

Os vendedores de água levam caixas d’água, baldes e galões para os poços artesianos. Depois, vendem para pessoas que moram longe demais ou que não conseguem ir até os locais.

Nesse mercado paralelo, uma caixa d’água de 500 litros custa ao menos R$ 80.

“As pessoas que não tem carro ou caixa para ir buscar água ficam sofrendo, comprando água. É R$ 80 uma caixa d’água de 500 litros. Quem não tem esses R$ 80, como é que vai usar água? Não tem como. A gente está no maior sofrimento do mundo aqui, mas a conta [de água] vem e vem cara, viu?”, afirmou a comerciante Solange do Nascimento, de 54 anos.

Aulas adiadas e impacto em hospital

Por conta da falta de água, as escolas municipais da cidade, tiveram as aulas adiadas para o dia 11 de março, segundo a prefeitura de Pacaraima. Inicialmente, o ano letivo começaria no dia 4 de março no município. A rede municipal atende 3.998 alunos das zonas urbana e rural.

Aulas foram adiadas e horário de expediente nas escolas foram alterados devido à falta de água. — Foto: Yara Ramalho/g1 RR

Mãe de uma menina, de 6 anos, e um menino, de 11 meses, a copeira escolar Nayra Bezerra, de 20 anos, acredita que as aulas ainda podem ser adiadas por mais tempo, o que prejudica o aprendizado da filha. A criança estuda na Escola Municipal Professor Raimundo Nonato Leda dos Santos, que oferece educação infantil com aulas para o pré-escolar.

“Eu não tenho certeza se as aulas vão começar nesse dia, mas é a previsão. Sem água é muito ruim e se a situação continuar, vai ser pior quando as aulas voltarem porque a gente tem que dar banho nas crianças, lavar o cabelo e essas coisas. A própria escola também tem que ter água, imagine uma escola que atende várias crianças ficar sem água, é uma necessidade”.

Nayra Bezerra, de 20 anos, afirma que aulas adiadas prejudicam o aprendizado da filha — Foto: Yara Ramalho/g1 RR

No hospital Délio Tupinambá, único em Pacaraima, os atendimentos médicos também são impactados pela falta de água. Até a unidade de saúde é abastecida por um caminhão-pipa. Com o prédio original em reforma, a unidade ocupa, de forma temporária, um prédio ao lado da Unidade Básica de Saúde (UBS) Alaide do Carmo Bruce Fernandes.

Procurada pelo g1, a Secretaria de Saúde (Sesau) do estado afirmou que, mesmo diante do desabastecimento de água no município, o hospital segue realizando “atendimentos normalmente, uma vez que se trata de unidade de urgência e emergência médica”.

A administração do hospital informou que providencia o abastecimento de água com ajuda do Exército Brasileiro, além da colocação de duas caixas de água de 2,5 litros e uma bomba d’água que será abastecida pela Caer. As informações são do G1.

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