SUPERAÇÃO-Após 7 cirurgias e 9 meses sem treinar, Mayra leva bronze em Tóquio-2020 e confirma: é a maior da sua geração

Qual o preço de ter o nome marcado na história? Mayra Aguiar se isolou duas vezes pela causa olímpica, superou lesões e, nesta quinta-feira (29), se tornou a primeira atleta brasileira a conquistar três medalhas em esportes individuais. Ela superou a russa Aleksandra Babintseva e a sul-coreana Hyunji Yoon na repescagem da categoria até 78 kg. Assim, ficou com o bronze no judô nas Olimpíadas de Tóquio.

As lágrimas de Mayra ao fim da luta representam todo o alívio após um ciclo difícil. Antes dos Jogos Olímpicos, ela sofreu uma grave lesão no joelho e ficou nove meses sem pisar num tatame. Exausta de tanto ter de se superar em meio a uma pandemia, a atleta contou com apoios de todos os lados para não desistir.

Assim como fez na Rio-2016, Mayra se isolou. Só que, dessa vez, foi o medo do coronavírus que a obrigou a se manter distante. A irmã Hellen, fisioterapeuta, assumiu os cuidados com a judoca após a cirurgia, enquanto os afagos da cachorrinha Belle cuidaram do equilíbrio mental da atleta. Depois da última luta, a judoca brasileira agradeceu à família, ao amor e ao time.

Foi muito tempo de superação, foi uma [cirurgia] atrás da outra. E, hoje, concretizar esse ciclo com uma medalha é muito importante para mim. Acho que é a maior conquista que já tive em toda a minha carreira. Por tudo que aconteceu, por tudo que vivi, esse resultado é muito gostoso. É muito bom. Estou muito emocionada.”

Ao subir ao pódio pela terceira vez consecutiva em Jogos Olímpicos, Mayra Aguiar crava uma bandeira na história e se consagra a maior judoca brasileira de sua geração mesmo sem medalha de ouro. E, por que não, a maior de todos os tempos?

Sucesso na repescagem

Mayra começou muito bem sua caminhada à medalha. A gaúcha venceu com tranquilidade a israelense Inbar Lanir nas oitavas de final, dominando desde o início da luta e, com apenas 40 segundos, aplicou um ippon sem dar chances de defesa à adversária.

Nas quartas de final, a brasileira acabou derrotada pela alemã Anna-Maria Wagner. Mayra propôs o confronto a todo momento, e Wagner não conseguia revidar os golpes da gaúcha. Entretanto, a brasileira acabou recebendo duas advertências por falta de combatividade e ficou pendurada. No Golden Score, a alemã, que tinha apenas uma advertência, conseguiu um wazari e eliminou a brasileira.

Na repescagem, Mayra superou a russa Aleksandra Babintseva da mesma maneira, após três punições da adversária. O início da luta foi de grande iniciativa da brasileira, que, a todo momento, agarrou o judoqui da rival. Babintseva parecia desconcentrada e pisou duas vezes fora da área de luta. Na segunda, veio o fim do combate. A gaúcha, então, foi para a disputa do bronze.

Na lendária arena Nippon Budokan, em que Mayra tinha conquistado a última de suas seis medalhas em Mundiais, veio o terceiro bronze olímpico: ela derrotou, com um ippon por imobilização, a sul-coreana Hyunji Yoon. Subiu, então, ao pódio das Olimpíadas de Tóquio para se tornar a única brasileira em esportes individuais a ganhar três medalhas olímpicas.

Tive medo e angústia, mas continuei e acreditei. Por pior que estivesse, percebi que fazer meu melhor valeria a pena. Nunca chorei tanto na vida, estou tentando me acalmar, mas esse momento é muito importante para mim.”

Histórico vitorioso

Mayra Aguiar é uma acumuladora de medalhas. São 14, contando Jogos Pan-Americanos (2007, 2011, 2015 e 2019), Campeonatos Mundiais (2010, 2011, 2013 – duas-, 2014, 2017 e 2019) e Jogos Olímpicos (2012, 2016 e 2021).

Mayra é, também, a maior vencedora de Campeonatos Mundiais do país —ganhou seis medalhas: dois ouros, três bronzes e uma prata.

O primeiro pódio da judoca em Jogos Olímpicos veio em 2012, em Londres, quando ela ficou com o bronze depois de um resultado dramático: após a derrota na semifinal, se machucou e disputou o terceiro lugar com o braço dormente e movimentos limitados. Mas venceu. O segundo veio no Rio de Janeiro, em 2016, em que chegou como a grande favorita e teve só 15 minutos para se recuperar da derrota na semifinal para a conquista do bronze, sempre uma situação dramática.

Tudo isso coroa uma carreira precoce que começou aos seis anos e evoluiu em uma velocidade incrível. Aos 14 anos, ela foi campeã mundial júnior; aos 16, disputou uma final de Jogos Pan-Americanos em seu próprios país; aos 17, estreava em Jogos Olímpicos; aos 19, foi vice-campeã mundial e, aos 21, já tinha uma medalha olímpica. Com 23 anos, Mayra se sagrou campeã mundial e, hoje, aos 29, não pretende parar de acumular conquistas. Ao ser questionada se iria para os Jogos de Paris, em 2024, foi clara: “Podem me esperar lá”.

Superar. E superar de novo

Oito meses antes das Olimpíadas de Tóquio, Mayra teve uma lesão no ligamento cruzado do joelho esquerdo e precisou se submeter a uma cirurgia —a sétima pela qual seu corpo já passou. A judoca ficou nove meses sem competir.

A irmã e fisioterapeuta Hellen Aguiar foi decisiva para a recuperação da atleta. Foi ela quem a ajudou nos exercícios de fisioterapia, uma vez que, devido à pandemia, Mayra decidiu ficar isolada. Nesse período, as duas improvisaram um tatame em casa para que a gaúcha não deixasse de treinar —era a irmã, que cuidava para que o corpo de Mayra se curasse, quem sofria sendo jogada ao chão centenas de vezes todos os dias. Em junho, ela chegou inteira para o Mundial de Budapeste, em que garantiu a vaga olímpica.

“Minha irmã está com essa medalha no peito junto comigo. Meu namorado também, que me aguentou de TPM, de dieta… Não sei como aguenta! Essas pessoas todas foram essenciais. Minha mãe, em todas as cirurgias, estava lá comigo, segurando minha mão, chorando junto, me dando força. Quero colocar a medalha no peito de todos eles e falar: ‘Vocês são guerreiros, eu não ia conseguir sem vocês’.”

O histórico de lesões da judoca é extenso: em 2009, um trauma no joelho direito a afastou do esporte por muito tempo. Em 2012, ela operou o joelho e o cotovelo, e passou três anos lidando com lesões mais leves. No ciclo olímpico da Rio-2016, não foi diferente.

Se isolar. E se isolar de novo

Em 2016, nas Olimpíadas do Rio, Mayra se isolou. Em 2021, momento em que o isolamento é quase obrigatório, a judoca decidiu se afastar mentalmente de quaisquer distrações. “Fiquei bem isolada de tudo, desde o começo. Não vejo televisão, evito redes sociais e faço de tudo para ficar o mais afastada possível mentalmente”, contou, antes da abertura do torneio.

Cinco anos atrás, a discrição da judoca já foi notícia. Mayra também decidiu ficar sozinha durante os dias que antecederam as Olimpíadas do Rio —apenas a mãe e o namorado conseguiram falar com a medalhista na véspera das finais.

“A gente nem manda mensagem mais porque Mayra prefere se concentrar antes. Faz dois dias que eu não falo com ela, por exemplo. Das redes sociais, então, ela larga mesmo. Não quer se distrair lendo o que as pessoas falam dela”, explicou, à época, a irmã.

Quando se isola, Mayra passa a maior parte do tempo lendo. Nesse ano, ela contou com os afagos da cachorrinha Belle, que adotou durante a pandemia. “Eu havia acabado de passar pela cirurgia, não podia fazer nada. Então, cuidar de um animalzinho me fez muito bem”. (UOL)

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